O ajo blanco é uma “sopa fria” típica da culinária espanhola, especificamente da região de Andaluzia. É uma variação do popular Gazpacho (também sopa fria mas com tomate na composição). Esse tipo de preparo era muito consumido pela população pobre de Andaluzia no século XVII – era um preparo muito simples com poucos ingredientes. O ajo blanco é suave, onde a delicadeza da amêndoa dança na força do alho (que aparece sutilmente), tudo contornado por uma acidez emocionante. É lindo. Como entrada, acompanhado de um pão bom, um presunto sensacional e uvas é de chorar. Na Espanha consomem também como prato principal, com batatas assadas.
A refeição é uma forma de conectar pessoas. Na mesa, nas conversas fiadas e no tempo gasto junto renovamos a intimidade e a proximidade com quem nos importa. Particularmente, acho que comidas que comemos com as mãos tem ainda mais esse poder conectivo – e ainda mais particularmente as entradas são as horas das refeições onde mais vivemos aquele papo furado fundamental que nos aproxima, entre uma beliscada na comida e outra.
Ingredientes (para 4 porções como entrada):
1 xícara de amêndoas com pele
1 dente de alho bem fresco
1 colher de sopa de vinagre de vinho tinto
1/2 colher de chá de sal (ou 1 colher de chá, dose ao seu gosto)
1/2 xícara de chá de azeite de oliva extra virgem
Suco de meio limão (melhor se for siciliano)
Meia xícara de água com gás (ou o quanto bastar, tenha um pouco a mais por perto)
Modo de preparo:
Coloque as amêndoas em um recipiente que possa ir ao fogo, cubra elas com água e leve ao fogo, quando levantar fervura espero 1 minuto e desligue. Escorra a água, descartando ela, e em seguida tire a pele das amêndoas, elas sairão facilmente (esse processo é para isso).
Coloque as amendôas no liquidificador e acrescente todos os outros ingredientes, a água coloque apenas metade. Bata e vá observando a consistência que se forma, acrescente mais água para atingir a consistência desejada – um creme liso e homogêneo.
Triture bem para não sobrar partes sólidas. Pronto. Antes de servir, deixe gelar pelo menos 1 hora. Sirva com pães crocantes, embutidos e uvas escuras geladas (leve a sério quando digo que o ajo blanco e as uvas precisam estar geladas, são esses detalhes e cuidados que fazem a gente se emocionar com a comida, e com a vida).
A melhor receita de pancakes que já fiz. Diferente da que ensinei por aqui há alguns anos, aprendi essa mês passado e agora é a que farei – às vezes faz muito sentido abandonar receitas antigas quando uma melhor surge – a não ser que você tenha um bom motivo afetivo para nunca abrir mão de uma receita, aí tudo bem, porque nem sempre queremos melhorar tecnicamente receitas, coisas ou pessoas, que já nos dão tanto sendo como são, com seus pequenos aceitáveis defeitos. Me perdi no caminho afetivo da legenda, como sempre, vamos lá:
Obs: Aprendi essa receita com @joshuaweissman , e agradeço muito por isso. Adaptei algumas medidas para facilitar fazer por aqui.
Rendimento: Cerca de 9 pancakes pequenas
Ingredientes:
1 e 1/2 xícara de chá de leite (360 ml)
1 ovo
2 xícaras de chá cheias de farinha de trigo (280g)
5 colheres de sopa de açúcar (cerca de 55g)
1 colher de chá não tão cheia de sal
1/4 de colher de chá de bicarbonato de sódio
1 colher de sopa não tão cheia de fermento em pó (10g)
2 colheres de sopa de manteiga derretida (20g)
Modo de preparo:
Em uma tigela, usando um fouet, misture bem o ovo com o leite. Em outra tigela, misture a farinha de trigo, o açúcar, o sal, o fermento e o bicarbonato.
Junte os ingredientes molhados nos secos, misturando enquanto coloca. Junte a manteiga e incorpore. Deixe descansar 5 minutos.
Aqueça uma frigideira antiaderente no fogo médio e unte ela com manteiga, sem deixar excesso, apenas untada mesmo. Coloque então uma porção da massa na frigideira, cerca de 1 concha não tão cheia (ou do tamanho que preferir suas pancakes), deixe cozinhar por 2 minutos ou até dourar embaixo e bolinhas começarem a surgir em cima. Então vire a pancake e deixe cozinhar mais 2 minutos.
Sirva como quiser, com mel, geleias… meu jeito favorito é fazer uma torre bonita, colocar pedacinhos de manteiga e cobrir com maple syrup (maple syrup me lembra outras horas, felizes, geladas e boas, em Toronto). Do lado um café passado maravilhoso. Um dia que começa assim já deu certo, mesmo que todas as horas seguintes do dia deem errado, essa já faz valer ter acordado.
Panqueca assada de queijo (hoje foi brie) com alguma geleia de fruta. Não importa o quanto a vida esteja esquisita, é muito reconfortante saber que se tivermos ovos, leite e alguma farinha, teremos panquecas e isso sempre significará uma chance singela para um recorte de paz no dia da gente. Acredito no potencial afetivo que as panquecas tem.
Como fazer:
Saia um pouco de tudo, respire o ar do seu tempo e então, numa tigela coloque 4 ovos, 1 pitada de sal e 50g de açúcar. Bata até ficar mais claro e fofo (com fouet, batedeira, tanto faz o caminho às vezes, contanto que você chegue lá em paz). Junte 2 colheres de sopa de farinha de trigo e 50g de farinha de amêndoas (se não tiver, substitua por 1 colher de sopa cheia de manteiga derretida mais 1/2 colher de sopa de farinha de trigo – não ficará a mesma coisa e com a farinha de amêndoas fica bem melhor, mas é um caminho possível, fazemos como dá e tudo bem). Incorpore. Junte 100g de creme de leite, 100 ml de leite e misture. Coloque toda a mistura em uma fôrma untada com manteiga e farinha e disponha por cima queijo (qual você quiser, eu amo que seja com brie e usei o da @queijosyema ) e também geleia de alguma fruta – quantidades à gosto, de acordo com seu olhar, vontade, intuição. Leve para assar em forno pré-aquecido à 180 graus por 30/40 min, até dourar e ficar firme. No que você fica pensando enquanto as coisas assam? Eu sempre penso no tempo… no tempo que as coisas levam para ficarem prontas.
Coma morno, ou frio. Com café ou outras bebidas que tenham sentido pra você hoje em dia.
Ostara, Easter, Páscoa. O termo “Páscoa”, vem de “Ostara”, deusa escandinava da primavera – estação do ano que no hemisfério norte se inicia próxima à celebração da Páscoa. Antes mesmo do cristianismo, o dia de Ostara era a celebração do primeiro dia de primavera, do fim do inverno e retorno do sol, do florescimento e renascimento da natureza – o cristianismo uniu essa simbologia de “renascimento da natureza” a ressurreição de Jesus, fato hoje que universalmente simboliza a páscoa. Na antiguidade, o povo anglo-saxão pintava ovos e os oferecia a Ostara, sendo que o ovo sempre simbolizou vida, nascimento, assim como o coelho também era relacionado a Ostara, simbolizando fertilidade e fecundidade na natureza. Daí vem a origem dos ovos e do coelho da páscoa, que eram muito antes os “ovos e coelhos de Ostara”. O tempo transformou os ovos de Ostara em ovos de chocolate, criando uma intima relação desse ingrediente com toda a simbologia que envolve a Páscoa, os ovos, o coelho, a primavera e o renascimento. Por isso Páscoa tem tom de chocolate (do qual os ovos de Ostara deliciosamente acabaram sendo feitos) – a gastronomia tem sempre símbolos e marcas que contam a história da humanidade. Isso é sempre emocionante.
Para celebrar toda a simbologia da Páscoa com, claro, chocolate, fiz uma seleção de nossas melhores receitas que envolvem chocolate! Chocolate também é renascimento, é símbolo, e é maravilhoso… Veja abaixo a seleção com todo amor do mundo:
O que você aprende quando cozinha em casa, de vez em quando, ao invés de comprar sempre pronto? Cozinhar é um convite para frear a dinâmica violenta e veloz do nosso cotidiano e experimentar uma relação diferente com nosso tempo. Quando você para um pouco de se render as sedutoras ofertas de comida pronta e passa a cumprir todo o processo de preparar uma refeição para só depois ter algo pronto para comer, algumas coisas começam a mudar. Além de hábitos mais saudáveis, cozinhar com mais frequência me proporcionou um contato com minhas aspirações pessoais, sentimentos de autorealização e com uma via terapêutica – isso mesmo, cozinhar nos transforma – fazer artesanalmente, com as próprias mãos, ao invés de comprar pronto é libertador e permite a inauguração de possibilidades mais criativas. Bom, preciso falar sobre algumas coisas para que vocês me acompanhem.
Hoje vivemos num mundo onde a indústria alimentícia, restaurantes e redes de fast-food nos oferecem comida pronta, rápida e barata, nos “poupando” do trabalho de cozinhar. Há anos a relação do homem com a comida se transformou, e hoje cozinhar é um serviço amplamente terceirizado, e para que? Para que tenhamos tempo de trabalhar mais e produzir o “capital”. O tempo livre é pouco e pode ser difícil querer usá-lo para cozinhar – esse ato ao longo dos anos foi sendo pejorativamente caracterizado como “muito trabalhoso”. Criou-se o discurso “se puder evitar o trabalho de fazer e puder comprar pronto, melhor”. Trabalhamos tanto que cozinhar soa como mais trabalho, e quando estamos em casa não queremos assumir a posição de “trabalho-produção”, mas sim de “lazer-consumo”, então dedicamos o nosso tempo livre ao que indica lazer e relaxamento, cozinhar é um “trabalho” que passaram a fazer por nós. Apesar de nos últimos 3 anos as pessoas estarem se reaproximando da cozinha, ainda há uma grande alienação e distância entre nós e os pratos que consumimos. Ainda nos nutrimos de coisas que não temos a menor ideia do que as compõe e quais processos aconteceram para que elas se tornassem nossa refeição.
Cozinhar é um exemplo, mas existem diversas outras experiências que abrimos mão de ter no nosso cotidiano, coisas que não permitimos mais viver e, quando podemos, pagamos para que façam por nós. Terceirizamos a educação dos nossos filhos contratando instituições ou funcionários para cuidar deles por períodos integrais, terceirizamos também os momentos recreativos com eles dando brinquedos, celulares e videogames sem construir muitas atividades nas quais todos estejam juntos e implicados em um “encontro”. Terceirizamos o cuidado do nosso lar, das nossas roupas, do nosso jardim, das nossas contas, e por aí vai, são muitos os aspectos de nossa sobrevivência que estão nas mãos de indústrias e prestadores de serviço. Considerando nossa cansativa rotina, poupamos o trabalho que pudermos poupar, sem perceber que ao mesmo tempo nos esquivamos da chance de ter alguns “trabalhos” de outra ordem, aqueles que produzem aprendizagem, autonomia, crescimento emocional, maior implicação com nossa existência e a construção de experiências – Emprego aqui o termo “experiência” pensando no trabalho da psicanalista Maria Rita Kehl, que em seu livro “O tempo e o cão – a atualidade das depressões” aborda nossa dificuldade de construir experiências significativas, o que acaba empobrecendo nossa vida psíquica e a capacidade de enxergar sentido nas coisas.
Em nossos empregos (aqueles que nos tiram todo o tempo) muitas vezes assumimos a ideia de que trabalho e esforço devem produzir dinheiro (só dinheiro), não nos permitimos mais enxergar que trabalho e esforço também podem produzir “experiência”, produzir marcas emocionais boas e aprendizagem – a ação humana é capaz de construir mais que apenas valor capital. A real é que talvez estejamos famintos por outros tipos de produções que podemos construir com nosso tempo. Precisamos nos propor “trabalhos” que produzam sensações que nos nutram emocionalmente – seja transformando o modo como consideramos nossos empregos e tentando enxergar o que nossa prática profissional produz além de salário, ou adotando atividades alternativas em nossa rotina . Porque a real é que produzir apenas dinheiro tem se mostrado pouco e vazio (o número de pessoas com vazios existenciais tem crescido, a depressão no nosso tempo também é um alarme sobre a dinâmica social que assumimos).
O singelo ato de cozinhar em casa nos ajuda a encontrar essa outra possibilidade de produção, que não é de dinheiro, mas sim de sensações boas que se tornarão “experiências” que registraremos em nosso emocional – produzir um simples prato pode trazer mais do que imaginamos, precisamos só parar para notar o que sentimos quando o fazemos – sentir, notar, registrar. Esse processo, que ocorre através de atividades manuais, nos reaproxima de sutilezas esquecidas, massacradas pelo mundo violento e apressado, onde tempo é só dinheiro.
Obviamente não podemos fazer tudo sozinhos, temos muitas vezes que contratar serviços e instituições para nos ajudar a dar conta de todas as demandas da vida, seria impossível talvez cozinhar todos os dias ou cuidar de todas suas tarefas domésticas, dependendo de sua rotina. Podemos contar com ajuda, podemos ser eventualmente espectadores e apreciadores de algo que fazem para nós, ir aos restaurantes que apreciamos, pedir comidas que gostamos, comprar serviços e produtos que admiramos – isso tudo é super importante e saudável, não estamos falando de uma ideia exagerada de autonomia, porque isso seria uma bobagem. O problema é não fazer nunca – fazer você mesmo de vez em quando já muda muito. É o excesso de terceirização que nos priva da chance de contatos riquíssimos. Consumimos o pronto em demasia e estamos distantes demais do “fazer as coisas”. Cozinhar ao invés de comprar pronto é atuar no processo, é implicar-se no “fazer”, é transformar o ingrediente e criar algo com ele, para só depois consumir – temos pulado tudo isso e partido direto para o consumo do pronto – o que perdemos com isso?
Perdemos contato com o que comemos ao ponto de não ter a menor ideia de seu valor nutricional, o que é muito grave e causa uma série de danos à saúde. Porém, me atentarei aqui ao prejuízo emocional e psíquico que parar de cozinhar nos trouxe. É no fazer das coisas que aprendemos, elaboramos, mantemos tradições culturais vivas, construímos experiências e no final podemos ver uma obra nossa e nos sentir potentes, criativos, inspirados e realizados por nossos feitos – pelo que fazemos com nossas mãos. Agora quando não fazemos nada disso e só consumimos o pronto, o que fica com a gente quando a comida acaba? O que de experiência significativa ficou? Quase nada, e aí que entra os tantos vazios que enfrentamos hoje – lembrando que meu foco é sobre o ato de cozinhar, mas essa reflexão pode se estender para várias outras coisas que compramos prontas ou pagamos para fazerem para nós.
Cozinhar em casa hoje é um grande desafio, as ofertas de tudo pronto são muito sedutoras, dão a sensação de libertação – “compre pronto e tenha mais tempo” – aliás, é exatamente nesse tom de libertação que a indústria alimentícia começa a ganhar força, quando ela aproveitou o discurso feminista que crescia na década de 50 para plantar a ideia de que estava ajudando a libertar as mulheres da tarefa de cozinhar, para que elas pudessem ter tempo de fazer o que quisessem. No livro “Cozinhar – Uma história natural da transformação”, Michael Pollan faz uma interessante reflexão sobre fatores sócio-históricos que ajudaram a construir o modo como hoje nos alimentamos. Pollan nos conta que a indústria de alimentos processados e industrializados desenvolveu-se em grande escala no período das grandes guerras, pois era a única alimentação possível aos soldados – não era possível cozinhar comida fresca nos campos de guerra, então esse nicho de mercado era muito funcional para tal situação. Mas aconteceu que as guerras terminaram, e a indústria alimentícia tinha então um problema: Para quem vamos vender agora? Tiveram então que levar seus produtos para dentro das casas da população comum, e aí que tudo começa. A propaganda era pesada e muito persuasiva, sempre colocando a comida industrial e pronta como algo incrível e libertador. Redes de fast-food nos Estados Unidos explodem e iniciam consolidação quando a febre da “comida pronta e prática” começa a surgir, e todos passaram a cozinhar cada vez menos.
Então pensamos: Mas então a indústria alimentícia ajudou nessa ferida histórica ao “libertar as mulheres” e fornecer a chance delas fazerem o que quisessem com seu tempo sem precisar cozinhar mais! Isso não é ótimo? Bom, não é bem assim. Pollan também traz dados muito interessantes sobre o feminismo e sua relação com a questão da indústria alimentícia. Claro que de alguma forma ter outra maneira de alimentar a família pode ter contribuído com a saída da mulher da opressão do lar para ganhar terrenos novos, porém a história tem alguns outros lados. A verdade é que os alimentos processados começam a entrar na casa das pessoas antes mesmo da mulher sair da cozinha – e de casa – para trabalhar fora. A oferta industrial era tão agressiva que ainda quando havia tempo para continuar cozinhando comida fresca as pessoas já começaram a consumir comida industrial. E uma pergunta importantíssima: quando a mulher para de se dedicar apenas ao lar e sai para trabalhar fora, porque é que foi a indústria que teve que cozinhar para a família? O problema se estende ao fato de que ao invés de homens e mulheres resolverem o problema com uma nova configuração de funções, pensando numa possibilidade de as tarefas de casa (entre elas, cozinhar) ser divida entre os dois, eles decidem deixar que a indústria fizesse para eles. De certa forma perde-se a chance de questionar valores e dar um novo rumo às demandas domésticas, repensando o papel do homem e da mulher na sociedade. Ao invés disso vemos a continuidade de um posicionamento machista, pois o cenário foi: Se a mulher não pode mais cozinhar, então ninguém pode. Mantém-se assim a ideia de que apenas a mulher poderia cozinhar, o homem continua fora do cenário doméstico. – ao invés de uma perspectiva ser transformada ela é varrida para debaixo do tapete com a solução “perfeita” da indústria, que obviamente era também a consolidação de um grande nicho econômico que produziria muito lucro. A indústria alimentícia se aliou ao elemento feminista para fortalecer seu discurso de venda e dizer que estava libertando as mulheres, mas no discurso oculto de suas propagandas ela continuava a reforçar a ideia de que em casa apenas a mulher podia cozinhar, fazendo assim a manutenção de um discurso opressor. Nada muda muito, afinal.
Ainda vale ressaltar que, dentro das questões do feminismo, cozinhar não era exatamente um ponto central no cenário doméstico opressor em que a mulher se via. Outras tarefas domésticas se mostravam mais estafantes do que cozinhar, que sempre teve um tom diferente de outros trabalhos domésticos por ser um ato também relacionado à arte, criação, revelação e prazer. Simone de Beauvoir em “O Segundo Sexo” diferencia o ato de cozinhar de outras demandas domésticas, justamente por ser um ato que dava ao humano a possibilidade de “criação e revelação” – claro que há um tom bem francês em tal perspectiva, mas ela nos faz notar o quanto talvez deixamos de cozinhar em casa não porque as pessoas odiassem tanto isso, mas sim porque um nicho econômico precisava que víssemos assim, e vendeu essa imagem para depois poder nos vender sua comida.
Depois de pensar um pouco em alguns elementos históricos que nos afastaram da cozinha, te pergunto: Porque eu deveria cozinhar? Porque tenho me focado justamente nessa ação?
Porque ela é implicar-se com a ação mais antiga e importante para nossa sobrevivência, que impacta nossa saúde, explora a relação do homem com a natureza e é ironicamente a que mais terceirizamos hoje. A ideia é retornar a uma possibilidade artesanal de alimentar-se, de viver – artesanal é o que é feito por nossas mãos. Cozinhar é pegar ingredientes crus, combiná-los e transformá-los em refeição – esquentar a pizza congelada no forno não é cozinhar, como muitos hoje acham (essa coisa de semi-pronto talvez seja só para nos plantar a ilusão de que estamos cozinhando e acalentar um pouco o mal estar de “nunca fazer”). Ao cozinhar nos apropriamos de um trabalho, conhecemos o ingrediente e o modo como a natureza nos oferece as coisas, atuamos em um processo e aprendemos. Saímos da ação automática de consumir o pronto e entramos em contato com a essência de algo. Quando nos notamos construindo e criando coisas algo muda dentro de nós, nasce uma experiência transformadora, delicada e subjetiva, que alimenta de alguma forma nossa satisfação pessoal, e consequentemente nossa saúde emocional. Quando cozinhamos aprendemos a lidar com o ingrediente, entramos em contato com a natureza que fazemos parte e criamos uma obra, então cozinhar se torna mais do que um ato corriqueiro para matar a fome do corpo, matamos uma fome de experiências significativas e transformadoras – Afinal, “a gente não quer só comida”, não é mesmo?
Pode soar estranho, mas acho que faz todo sentido relacionar o ato de cozinhar em casa com um processo psicoterapêutico (não dizendo que são a mesma coisa, que um possa substituir o outro ou algo assim, me refiro ao ato de cozinhar como uma metáfora que explica alguns elementos do processo psicoterapêutico). Na terapia, grosso modo, “deitamos no divã”* para entrar em contato com nosso funcionamento emocional e compreendê-lo, saindo do automático e podendo transformar nosso modo de construir experiências e viver. O trabalho da terapia é buscar uma apropriação do funcionamento de algo (do nosso psiquismo, no caso) para poder agir com mais autonomia e criatividade, quem sabe, reescolher o modo como tenho experimentado a vida. Claramente posso ver essa situação no ato de cozinhar – que na real, também é mergulhar no contato com um processo muitas vezes oculto a nós, apropriar-se de algo que hoje nos é misterioso, que normalmente fazem por nós e nem sabemos como funciona, e dessa forma compreender um processo, conseguir conhecer ingredientes, transformá-los e criar algo com eles, nos tornando mais autônomos e autores. Cozinhar dá trabalho e leva tempo, às vezes incomoda e não soa tão confortável ou simples. Uma psicoterapia pessoal dá trabalho e leva tempo, às vezes incomoda e não soa tão confortável ou simples. Porém ambos podem construir possibilidades mais próprias, autorais, criativas, reveladoras e menos alienadas, no qual nos implicamos mais com as coisas de nossa vida e podemos assim extrair dela experiências significativas.
Cozinhar pode ser um desafio. Escolher onde comprar ingredientes frescos, como conservá-los, usá-los no prazo adequado, evitar contaminações e mau uso dos produtos, ter ideias do que fazer, aprender a usar as coisas – sim, é trabalhoso, mas cada parte desse processo nos aproxima de coisas valiosas sobre o mundo natural, sobre as relações em torno do ato social que é alimentar-se, sobre nosso modo de lidar com as coisas, sobre quem somos.
Há cerca de 5 anos desenvolvi um projeto – um blog – chamado “Quando a cozinha é um Divã”. Inicialmente era uma forma de registrar minhas experiências com a cozinha, sempre a vinculando com aspectos emocionais. Hoje o blog é uma referência quando se trata de pensar no ato de cozinhar como algo que nos movimenta emocionalmente e socialmente. Como podemos nos sentir incríveis, inteiros e potentes cozinhando? A ideia por trás do blog me ajudou a resgatar coisas importantes que o mundo em que “tempo é dinheiro” estava me fazendo esquecer – eu “parei” esse tempo para cozinhar. O blog hoje busca expandir a ideia que esse artigo apresenta, ampliando o modo como as pessoas se relacionam com sua alimentação, e consequentemente com suas vidas.
Há hoje em dia muita gente também questionando a maneira como nos alimentamos. Temos o movimento Slow-food, que se contrapõe ao fast-food e resgata o valor da lentidão. Temos também o exemplo do trabalho delicado de reencontro a natureza que muitos chefs e instituições pregam, como exemplo: A chef Paola Carosella em suas falas e trabalhos nos propõe a explorar e repensar nosso encontro com o natural do mundo, questionando a relação que temos com esse natural, como o aproveitamos e respeitamos. Outro exemplo que nos inspira a transformar a ideia que temos sobre cozinhar: A empolgante e divertida Raíza Costa, confeiteira e criadora de conteúdo digital, se dedica a ensinar pessoas a cozinhar. Só isso? Não. Raíza apresenta suas receitas e ensinamentos de uma forma revolucionária por dois motivos: Primeiro porque ela é cativante e divertidíssima no seu trabalho, e isso muito mais do que entretenimento torna o convite de cozinhar em casa muito mais interessante, resgatando um valor de prazer e alegria em volta do ato de cozinhar – aquilo que como vimos acima, os interesses econômicos do mundo industrial nos fez perder. E outro elemento interessantíssimo é o modo como ela incentiva o trabalho artesanal, nos ensinando a fazer em casa inúmeros preparos que normalmente compramos pronto, explicando processos químicos que ocorrem nas receitas, como controlar esses processos e como valorizar aquilo que você coloca no que vai comer – uma tomada de consciência total. Raíza planta em seu trabalho toda ideia de reencontro com o artesanal e com a autonomia que tenho falado, o que torna seu trabalho um serviço social diante do mal estar da industrialização que vivemos.
Ao cozinhar transformamos algo em nós para depois transformar outras experiências na vida. Considero que o hábito de cozinhar faz nascer algo que não se encerra na cozinha, pois ele possibilita a chance de apropriação de outras coisas. É como um desejo que nasce de fazer mais com nossas mãos, de criar mais marcas – quando notamos o valor de uma prática a levamos a diante de diversos modos, é um certo gosto que adquirimos por não deixar mais que façam sempre algo por nós, mas que façamos um pouco desse algo com nossas mãos de vez em quando – para aprender, apropriar-se, crescer e criar. Cozinhar é um agente transformador que nos convida a repensar muitas práticas – inclusive sobre como temos encarado nossos empregos, os trabalhos formais, repensando o modo como conferimos à eles a função de produzir só dinheiro – o que mais nossas práticas produzem? Quais marcas criamos ou podemos criar todos os dias, também no “horário comercial”?).
Cozinhar é revolucionário, eu acho. É um modo de sair da condenação que o esquema econômico nos impõe, de dizer um pouco de não aos duros imperativos de consumo e alienação, é rebelar-se diante da falta de vivências significativas. Cozinhar, além de nos aproximar do que comemos e melhorar a qualidade da nossa saúde tem um forte fator emocional, se torna uma possibilidade de autoria que pode ganhar proporções sensacionais, abrindo novas reflexões sobre o modo como temos vivido e mantido certas práticas. Nos faz questionar nosso distanciamento das coisas simples e importantes, do mundo, da natureza e das pessoas que amamos. Cozinhar se torna um contato mais artesanal com a própria vida, se torna uma ação simbólica que amplia o modo como tenho feito a minha obra psíquica e me relacionado com o mundo. Cozinhar é também valorizar o tempo de uma forma diferente – tempo é muito mais que dinheiro. Cozinhar é, por fim, reencontrar o artesanal – o feito com a mão, e não na produção em massa – e o mais humano que nos compõe, vendo possibilidades mais criativas, singulares, reveladoras e emocionantes.
*O divã é uma ferramenta usada pelo psicólogo ou psicanalista para psicoterapia ou análise, mas claro, não é o único meio de uma psicoterapia acontecer. Destaquei e usei o termo para fazer alusão ao nome do meu blog – “Quando a cozinha é um divã” – e também porque na minha prática e abordagem enquanto psicólogo, quando atuo em consultório, o divã é ferramenta presente.
Referências bibliográficas:
POLLAN, M. Cozinhar: uma história natural da transformação; tradução Cláudio Figueiredo. – 1. Ed. – Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014.
KEHL, M. R. O tempo e o cão: a atualidade das depressões. São Paulo: Boitempo, 2009.
DE BEAUVOIR, S. O Segundo Sexo; tradução de Sérgio Milliet. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009.
1/4 de xícara de chá de açúcar refinado ou cristal
1 ovo
1 colher de chá de extrato de baunilha
1 xícara de chá cheia mais 1/4 de xícara de chá de farinha de trigo
1 colher de chá de fermento em pó
1 pitada de sal
100g de chocolate picado (eu uso amargo, 60%, mas pode ser o que quiser)
150g de banana passa picada
Modo de preparo:
Junte a manteiga com os 2 açúcares e bata (na batedeira ou com um fouet) até ficar uma mistura mais clara e fofa. Acrescente o ovo e o extrato de baunilha, e bata mais para incorporar. Acrescente a pitada de sal, a farinha de trigo e o fermento em pó, misture (agora com uma colher). Quando estiver tudo incorporado, acrescente a banana e o chocolate e incorpore.A massa estando pronta, leve para a geladeira por 10 minutos (só para endurecer um pouco e ficar mais fácil de manusear). Então faça, com a ajuda de duas colheres, bolinhas, construindo formatos meio redondos (de cookies) e coloque em uma fôrma (untada ou antiaderente). Deixe espaço de uns 2,5/3cm entre um cookie e outro (eles crescem). Se quiser, coloque por cima, para ficar mais bonito e visível, mais pedacinhos de chocolate e banana.Então leve para assar em forno pré-aquecido à 180 graus por cerca de 10 minutos (até começar a dourar nas bordas, sem deixar dourar muito em cima). Quando você tira os cookies do forno eles ainda estão moles, o cozimento continua. Retire e deixe esfriar 10 minutos antes de desenformar. Pronto! Aproveite seus cookie e me conta lá no Instagram o que achou! E se fizer posta e me marca! Vou amar ver!
Receita simples para um bolo de cenoura clássico fofinho! Te ensino o segredo para uma massa super macia e fofa e também uma cobertura cremosa brilhante para coroar seu bolinho! E claro, como sempre por aqui, essa receita também tem um convite para uma experiência emocional gostosa, e dessa vez te chamo para notar a poesia e felicidade discreta, que está escondida na simplicidade do seu cotidiano, só esperando para ser notada por você – e o bolo de cenoura pode te ajudar nisso! Vem comigo entender “Quando a cozinha é um divã”! Clique no vídeo e confira!
Terça-feira de café da manhã inspirado no Brasil – meu ritual semanal que me conecta com a autenticidade da minha terra. Amo, nas terças de manhã, preparos simples, café coado na caneca de alumínio, música brasileira tocando e uma refeição despretenciosa que me eleva, me conecta com meu chão. Decidi toda terça compartilhar meu café da manhã do Brasil com vocês, me contem o que mais querem ver de inspiração brasileira todas as terças? Vai la no meu Instagram @rodrigo.vilasboas e me conta tudo!
Hoje coloquei Caetano Veloso (baiano que sempre nos conecta com o melhor do Brasil) e fiz:
Café coado e cuscuz de 3 minutos com queijo!
Principalmente consumido no nordeste, o cuscuz solto, com manteiga e queijo, com café, às vezes leva carne seca ou de sol e é marca forte do inicio de manhã potente do sertanejo nordestino. Faço assim:
Cuscuz de 3 minutos:
Para 1 porção, coloque um pouco mais de meia xícara de chá de flocão (farinha de milho flocada, aquela pra cuscuz) em um recipiente que possa ir ao microondas. Coloque pitadas de sal e um pouco de água para hidratar e mexa com um garfo (quantidades, na intuição. Você precisa de uma farofa úmida, mas sem ficar encharcada). Leve ao microondas por 2 minutos. Tire e solte a mistura com um garfo. Coloque mais um pouco de água e acrescente, à gosto, manteiga de garrafa ou outra, misture. Acerte o sal. Se quiser, coloque umas fatias de queijo por cima e leve mais 20/30 seg no microondas para derreter.
Dicas para um café coado emocionante:
1) Sempre escalde o filtro de papel (passando nele um pouco de água quente antes de colocar o pó, depois descarte essa água) – papel tem gosto e sem isso, vai manchar o aroma genuíno do seu café.
2) Quando for colocar água sobre o pó de café no coador, vá com muita calma e coloque jatos pequenos, para umedecer todo o pó. Jatos grandes jogados com tudo fazem a água descer e o pó subir, então a água desce antes de fazer uma boa infusão com o café e você perde toda emoção do seu cafezinho.
3) Escolha cafés dignos de emoção – os produzidos em Minas Gerais, Espirito Santo e Bahia são os mais impactantes que conheço).
A fatídica quiche de cogumelo e queijo de hoje (encontrei shimeji rosa no mercado, uma espécie de cogumelo conhecida como Pink oyster mushroom – adoro comprar coisas no mercado que acho bonitas e não tenho a menor ideia do que são e como preparar, aí quando chego em casa, é sempre uma aventura para descobrir. Quando tenho um ingrediente que não sei o que fazer com ele, muitas vezes vira quiche – essa dama francesa atemporal que sempre é uma opção conveniente e carinhosa. Se liga em como ela é acessível e gracinha de fazer:
Ingredientes (massa):
90g de manteiga amolecida
1 colher de chá de açúcar
1 colher de café de sal
1 xícara e meia de farinha de trigo
2 gemas pequenas ou 1 grande
Água gelada (só caso a massa fique seca).
Modo de preparo da massa:
Misture/bata a manteiga com o açúcar e sal, com uma colher de pau, até esbranquiçar. Acrescente a farinha, as gemas e misture – sem amassar muito, só pra unir tudo. É uma massa quebradiça mas que vc tem que conseguir fazer uma bola com ela. Se estiver muito esfarinhada coloque água gelada pra chegar nesse ponto. Embrulhe num papel filme e deixe na geladeira por uns 15 minutos. Depois abra em uma fôrma essa massa até forrar toda ela e cobrir uns 2 dedos as laterais (ajeite com os dedos mesmo, é legal).
Recheio:
O Recheio básico da quiche consiste em: 4 ovos mais 2 gemas batidas (com fouet) com 250g de creme de leite, sal e pimenta. Essa parte liquida é a base, aí você incrementa e dá o sabor que quiser para sua quiche. Eu fiz assim: na massa disposta na fôrma coloquei 200g de cogumelos grelhados na manteiga, pimenta e sal, cubos de queijo minas padrão à gosto, daí distribui a massa liquida de ovos e finalizei com queijo parmesão ralado por cima. Levei para assar no forno pré-aquecido à 180 graus por 30-40 minutos – até dourar levemente. Pronto! Bon appétit!
Receita simples, significativa e linda com nosso sagrado polvilho (que deriva da nossa sagrada mandioca). Qual foi a última vez que você tomou um café da tarde demorado numa mesa gostosa com alguém que valha a pena você gastar seu tempo? Esse biscoito costuma ajudar nisso. É a desculpa que minha família usa há anos pra se reunir e se conectar nas tardes dessa vida breve e tão boa.
Em uma caneca ou panela (que possa ir na boca do fogão) coloque o leite, o óleo e o sal, misture e leve ao fogo, quando levantar fervura desligue.
Em uma tigela coloque o polvilho e coloque a misture de leite fervido, misture inicialmente com uma colher (estará muito quente). Acrescente o ovo e misture com as mãos. Você precisa de uma massa lisa e de fácil manuseio que seja possível enrolar – a quantidade de polvilho é relativa, depende da qualidade dele e da umidade do dia, coloque mais polvilho se precisar para atingir a textura ideal (no video no IGTV (link acima) tem o ponto certinho da massa).
Acrescente então os queijos e incorpore bem. Faça rolinhos no formato meia lua, coloque em uma fôrma e leve para assar em forno pré-aquecido à 180 graus até dourar. Prontinho! Tenha um café da tarde afetivo e seja feliz!