Salmão com azedinha (Saumon à l’oseille) – O prato da família Troisgros que é uma lenda da cozinha francesa.

Gosto de receitas práticas, mas também gosto de receitas elaboradas, que exigem processos, etapas e tempo. É um tipo de experiência diferente que me faz muito bem. O desafio de entender uma receita que tem uma história e técnica mais antiga do que todo o tempo que eu terei nesse mundo é algo que me comove, que me dá energia criativa e prazer. Acho que muitas vezes na minha vida fui pra cozinha pra desenvolver força e criatividade pra dar conta de coisas, e isso não vai mudar nunca. Nesse final de semana, depois de pesquisar 7 receitas, ver um documentário e ler muito, decidi tentar pela primeira vez esse prato, e não deu certo, fiquei frustrado e invocado tentando entender onde errei. Compartilhei então a experiência com uma amiga que entende a cozinha francesa com uma sensibilidade e maestria enorme. Ela então generosamente me explicou TUDO que eu precisava saber sobre esse prato, cada detalhe técnico e histórico. Com a receita e orientação dela refiz, e ficou lindo, emocionante, deu vontade de chorar, fiquei tão feliz. Foi uma das coisas mais gostosas e marcantes que já cozinhei na vida e devo isso à sensibilidade, conhecimento e generosidade da @leonay.melo , nunca vou me esquecer disso.

O Salmão com Azedinha é um prato emblemático francês, sua criação pela família Troisgros fez parte de uma revolução que construiu o que hoje chamamos de alta gastronomia, a “nouvelle cuisine”. Na época de sua criação, em meados dos anos 60, na França reinava o hábito de cozinhar demais as coisas, e os irmãos Pierre e Jean Troisgros, após experiências pessoais em viagens, criaram em seu restaurante essa receita onde o salmão era servido mal passado – conservando uma umidade e maciez profunda. Como tudo que quebra costumes, eles tiveram muita rejeição e muitos pratos devolvidos pelos clientes, até que a alma do que eles estavam fazendo fosse devidamente reconhecida e aplaudida. Isso foi um dos atos que revolucionou o modo como alguns ingredientes, pontos de cozimento e outras coisas são tratadas até hoje na gastronomia mundial. O prato é aclamado até hoje, nomeado patrimônio imaterial da humanidade pela Unesco. As paredes, tetos e bancos da estação de trem de Roanne na França são dominados pela cor salmão e verde, em homenagem ao prato que lá se originou.

A história da gastronomia na família Troisgros começou com Jean Baptiste, pai dos irmãos Pierre e Jean – que herdaram o restaurante do pai. Pierre foi o criador do Salmão com Azedinha. Ele na cozinha e o irmão Jean nos vinhos, elevaram o restaurante da família à 3 estrelas Michelin. Após a morte de Jean e aposentadoria de Pierre foi Michel Troisgros (filho de Pierre) que passou a cuidar do restaurante, junto de seu filho, César – que é a quarta geração na gastronomia da família Troisgros. Hoje o restaurante cuidado pelos dois é em Ouches, cidade do interior à 10km de Roanne. O irmão de Michel Troisgros, Claude Troisgross, vive no Brasil e é o popular chef que apresenta um programa de culinária no GNT.

Na Netflix, na série “Chef’s Table França” tem um episódio que conta a vida e obra do Michel Troisgros e sua família, vale a pena ver antes de fazer esse prato 🙂

Vamos então à receita, que devo com muito carinho à minha amiga @lenay.melo:

Antes duas coisas:

  1. Você pode fazer essa receita sem o fumet de peixe, mas pra mim ele faz MUITA diferença na alma do prato, então eu sugiro muito que você faça se puder, sua experiência será outra. E é bom de vez em quando ter um pouco mais de trabalho e se propor na aventura que é uma receita completa assim, a recompensa é linda. Abaixo explico como fazer o fumet (que também aprendi com a @leonay.melo )
  2. O Vermouth branco seco que uso na receita é um francês chamado “Noilly Prat”. Você pode usar qual vermouth encontrar e for possível à você. Mas se puder, use esse, é uma bebida também emblemática que enriqueceu imensamente a experiência do prato. É muito usada em pratos feitos com peixe devido sua composição que engrandece o gosto de mar. Custa cerca de R$100,00 a garrafa dela com 750ml aqui no Brasil.
Vermouth francês Noilly Prat

Fumet de peixe (caso vá usar):

Pique 1 cebola e 1 chalota (aquela cebolinha pequena, se não tiver faça só com a cebola) e corte 1 cenoura média em lâminas. Faça 1 bouquet garni (você junta e amarra com um barbante algumas ervas aromáticas, as mais comuns são: salsa, tomilho, louro e a parte verde do alho-poró). Em uma panela com fios de azeite coloque a cebola, a cenoura, um pouco de pimenta em grãos e o bouquet garni e refogue em fogo baixo até a cebola ficar transparente (não deixe dourar, não queremos cor no fumet). Pegue cerca de 1kg de carcaça de peixe (cabeça, rabo, barbatanas,dorsal, etc), dê uma batidas pra liberar sabor e coloque na panela. Refogue 1 minuto. Fogo sempre baixo. Coloque água até cobrir (cerca de 1 litro) e 100 ml de vinho branco. Deixe cozinhar por 20 minutos sem deixar ferver, no fogo mais baixo que puder. Durante o cozimento tire a espuma que sobe, são impurezas, assim você garante a nobreza do seu fumet. Coe sem apertar a colher. Conserve na geladeira por 3 dias ou congelado por 5 meses.

Salmão com azedinha (Saumon à l’oseille)

Ingredientes:

  • 4 Filés (escalopes) de salmão, que tenha entre 1,5 / 2 cm de altura.
  • 35g de cebola roxa ou chalota
  • 62g de manteiga
  • 100 ml de vinho branco (melhor se for sauvignon blanc)
  • 100g de creme de leite fresco
  • 50 ml de fumet de peixe (caso você vá usar)
  • 15 ml de vermouth branco seco (usei o francês “Noilly Prat”, mas como expliquei acima você pode usar qual puder, porém ele faz diferença)
  • Gotas de limão siciliano – cerca de 1/2 limão
  • Folhas de azedinha (cerca de 2 ou 3 punhados) – sem a nervura central/talo delas, apenas as folhas (para tal dobre as folhas ao meio no sentido do comprimento e puxe o caule de uma ponta a outra, ele sai e a folha fica, partida em 2 partes).
  • Sal
  • Pimenta moída na hora (melhor se for a branca, mas pode ser a preta)

Modo de preparo:

Pique a cebola finamente, beeeem fina mesmo, o máximo que puder. Isso é importante e faz muita diferença na delicadeza do molho. Coloque elas em uma panela, junte o vinho, o vermouth e o fumet de peixe. Deixe reduzir até quase secar completamente e ficar em uma consistência meio melosa.

Coloque o creme de leite e deixe reduzir um pouco (não muito) para que fique cremoso. Adicione as folhas de azedinha, espere 20 segundos e desligue o fogo. Incorpore gentilmente a manteiga, girando a panela. Adicione gotas de limão e tempere com sal e pimenta.

Tempere o salmão com sal. Deixe uma frigideira bem quente e coloque os filés, deixando de 10 à 15 segundos no máximo de cada lado – precisamos preservar o centro mal passado.

Observe o ponto. Centro ainda laranja escuro.

Para servir e garantir a experiência linda com esse prato, é importante fazer assim: Aqueça o prato que irá servir (deixando um pouco no forno quente ou com água quente). Disponha o molho quente no prato e coloque o filé de salmão imediatamente assim que tirar da frigideira. Depois que você coloca o molho no prato o salmão precisa ser posto no máximo em 8 segundos, e depois que empratar tudo precisa ser servido em uns 12 segundos. Cada segundo que passa vai alterando consistência e ponto, e pra você se emocionar de verdade comendo, é bom respeitar isso.

É isso. Espero que faça e sinta a emoção desse prato icônico. Se errar uma vez, faça de novo. Vale a pena insistir em algumas coisas nessa vida.

Bon appétit!

Obrigado profundamente minha amiga @leonay.melo pelo presente lindo que foi aprender esse prato com toda delicadeza, história e marca que ele é.

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2 comentários sobre “Salmão com azedinha (Saumon à l’oseille) – O prato da família Troisgros que é uma lenda da cozinha francesa.

  1. Talvez sejam muito claros o carinho o carinho, o respeito e a admiração que tenho por você, mas, como afeto e reconhecimento nunca é demais, quero deixar isso público. Eu fiquei encantada contigo desde o primeiro dia que Ludi me mostrou seu perfil no insta, uma pessoa linda, sensível, talentosa, acessível e REAL. Como eu te disse uma vez, não sigo muita gente porquê priorizo relações mais orgânicas e possível, é gratificante ver o respeito que vc tem por quem consome teus conteúdos e de certa forma consome um pouco de quem é o Rodrigo, pois, cada vez que vc cozinha e compartilha suas experiências, fica alí um pouco de vc pra nós, é deixar sua marca por saber que “tem gente por trás do like”…

    Foi assim de forma leve e despretensiosa que eu aprendi a amar a pessoa doce que vc é, a pessoa que eu quero carregar pra vida. Obrigada por tanto! ♥️🥰

    Curtido por 1 pessoa

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