Torta cremosa de chocolate amargo com flores. Não importa o quanto um dia tenha sido ruim, se eu chego em casa e posso fazer uma torta de chocolate, vou encontrar conforto e paz. Talvez isso possa soar pra você um jeito infantil de lidar com a complexidade da vida, mas pra mim é um jeito legítimo de conferir sentido às coisas. A torta é de chocolate amargo – porque nem sempre tudo é só doce, e precisamos lidar com isso. Mas na real, o amargo faz parte, e se notamos o sentido que ele tem, ele se torna bom, aprendemos com ele e ganhamos a chance de um gosto único. Na vida e nas sobremesas, doce demais enjoa e perde a graça, mascara os outros sabores e nos deixa distante do real gosto que as coisas tem, em seus tons doces e amargos. Fico pensando que as flores comestíveis por cima não são apenas porque dão um perfume bom ao chocolate, mas sim para coroar a torta, com toda delicadeza e gratidão que eu puder, porque a torta de chocolate amargo é simbólica, é sobre lidar com o amargo e doce possível ao nosso redor, juntar tudo e fazer uma obra boa. A vida é boa quando é uma torta de chocolate amargo equilibrada. Vamos a receita.
Ingredientes:
- 220g de biscoito de maizena
- Uma pitada de sal
- 90g de manteiga derretida (talvez um pouco mais)
- 5 gemas
- 50g de açúcar
- 1 colher e meia de sopa de cacau em pó
- 300 ml de leite
- 50g de creme de leite
- 1 colher de sopa de extrato de baunilha
- 270g de chocolate amargo picado (uso 63%)
- 1 colher de sopa de licor de laranja (opcional)
Modo de preparo:
No silêncio de sua cozinha, respire fundo e triture (no processador ou liquidificador) cerca de 220g de biscoito de maizena – triture junto com o biscoito alguma raiva que passou no dia. Sinta ela. Coloque essa farofa em uma tigela e acrescente 1 pitada de sal e 90g (talvez precise mais) de manteiga derretida e misture, veja o ponto: você precisa que a farofa pegue uma leve liga. Coloque a massa em uma fôrma de aro removível e forre todo o fundo e pelo menos 2 ou 3 cm das laterais. Pressione bem com os dedos, para fixar. Asse em forno pré-aquecido à 190 graus por 10 minutos (não deixe dourar muito). Tire e observe: a massa é como a raiva – se você tritura, sente e depois modela direito, algo bom vem. Reserve.
Agora quebre o silêncio. Coloque pra tocar “Amor” dos Secos e Molhados – eu acredito na força reparadora da voz de Ney Matogrosso – e faça o recheio: Em um bowl, misture 5 gemas com 50g de açúcar e 1 colher e meia de sopa de cacau em pó. Aqueça em uma panela 300ml de leite, 50g de creme de leite e 1 colher de sopa de extrato de baunilha, até quase ferver. Despeje essa mistura aos poucos sobre a mistura de gemas, mexendo sempre (coloque aos poucos mesmo e vá mexendo, “temperando”, se colocar tudo de uma vez a gema talha). Volte tudo para a panela e cozinhe, mexendo, até engrossar um pouco (ponto de creme inglês), tem que desligar o fogo um pouco antes da mistura ferver. Acrescente então 270g de chocolate amargo picado e 1 colher de sopa de licor de laranja. Misture tudo. Olhe o brilho lindo desse recheio e veja se ele já reflete em você. Deixe esfriar na geladeira uns 20 minutos.
Enquanto esfria cante Ney, dance Ney, sinta Ney.
Estando fria, antes de endurecer muito, coloque o recheio na massa e decore com uma fruta bonita, com flores comestíveis, com castanhas ou com nada. Leve pra gelar por umas 3 horas. Vá tirar um cochilo. Sonhe. Acorde. Desenforme e coma uma fatia. Pra mim, nessa hora, a vida fica leve, como leve pluma, muito leve, leve pousa. Fim.
Se divirta fazendo e comendo. Ela é sinceramente boa.